quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sobreviver à doença, escapar da cura

Primeiro, houve o pânico provocado pela gripe A. Agora, há o pânico provocado pela vacina contra a gripe A. A doença gera pânico; a cura gera ainda mais


Já se demitiram ministros por causa de anedotas relacionadas com a saúde pública portuguesa, mas isso não foi suficiente para que a saúde pública portuguesa deixasse de parecer uma boa anedota. Talvez seja útil fazer um pequeno resumo das últimas e intrigantes ocorrências no âmbito da nossa sempre divertida saúde. Primeiro, houve o pânico provocado pela gripe A. Agora, há o pânico provocado pela vacina contra a gripe A. A doença gera pânico; a cura gera ainda mais. O medo é tanto que eu tomaria uns calmantes, se não tivesse medo de os tomar. Bem disse o filósofo José Gil que os portugueses tinham medo de existir: entre deixar de existir, por causa da gripe, ou continuar a existir, graças à vacina, vacilamos. Na dúvida, receamos as duas. Não é fácil ser doente - e deve ser ainda mais difícil ser médico, que tem de confortar o paciente quando contrai a doença e confortá-lo mais ainda enquanto lhe administra a cura.

Visto de fora, desde que se descobriu o novo vírus da gripe os portugueses passaram a correr para um lado gritando "Fujam, vem aí a doença!", e depois passaram a correr para o outro gritando "Fujam, vem aí a cura!" A fugir, estamos sempre. Só muda o perseguidor.

Qual é, afinal, o mais grave? O vírus da gripe ou o vírus da vacina? Até ver, são ambos relativamente inofensivos. Um é curado por profissionais de saúde, o outro é transmitido por profissionais de saúde. A gripe A é mais fraca do que a gripe vulgar e a vacina provoca os mesmos efeitos secundários que qualquer outra vacina. Nem a gripe nem a vacina são particularmente perigosas para o homem. No entanto, ambos os vírus são letais para o meio ambiente. Temo que não haja árvores suficientes para abastecer os jornais do papel necessário para todas as notícias, publicadas e por publicar, sobre os malefícios da gripe A e os ainda maiores malefícios da vacina da gripe A. Não admira: a toda a hora surgem novas informações. Receava-se que houvesse vacinas a menos. Agora, uma vez que ninguém as quer tomar, receia-se que sobejem. Também causa dano. Suspirou-se por uma vacina. Agora, suspira-se por uma vacina contra a vacina. A ciência que resolva este problema. Já começamos a habituar-nos ao pânico da vacina. Precisamos urgentemente de outra coisa relacionada com a gripe A para recear.

Publicado por Ricardo Araujo Pereira na Visão a 29 Outubro

2 comentários:

salvador disse...

Ricardo Araujo Pereira é que sabe, alguem que acabe com esta histeria colectiva. sinceramente já cansa tanta noticia sobre isto.

Gastão de Brito e Silva disse...

Bem...é um caso típico de "tuguice", é ao mesmo tempo uma maneira que os governo têm de controlar as pessoas e as suas atenções através do medo...a gripe A foi "salvar a honra" do ministério da saúde a a bolsa de muita gente quando se frustrou o golpe da gripe das aves. O factor gripe fez cicatrizes profundas na humanidade com a gripe espanhola em 1918, é natural que as pessoas tenham receio de qualquer estirpe desse bicho, mas o que mais me chateia é que muita gente fuma, bebe desmesuradamente, raramente faz desporto, comem que nem ogres, conduzem que nem "Alborettos"...sabem que as maiores causa de morte são cardiovasculares, nas estradas, no trabalho...mas fala-se na gripe e "borram-se" todos...